Perdidos Achados
Vitrine MASP

2015

Texto Crítico

“Perdidos achados”: reflexões poéticas de uma transeunte

Durante alguns meses de 2013, uma das vitrines da estação Trianon-Masp do metrô foi modificada. Aos poucos, objetos foram sendo colocados, pendurados, organizados dentro desse espaço delimitado por três paredes e um vidro. Mas, por fim, por que tudo isso? Normalmente, em vitrines, encontramos produtos novos que chamam a atenção do consumidor para que sejam, finalmente, levados para casa e utilizados até que não tenham mais função e sejam descartados.

Porém, esta vitrine é diferente. Nela, os objetos não são novos e nem estão à venda; são aqueles pequenos e grandes objetos que passam por nossa vida e que sem mais nem menos não fazem mais parte de nós, são os objetos esquecidos. Mas, por que dar tanto valor a eles sendo que tantos outros objetos são produzidos diariamente pela indústria? Por que ocupar um espaço de tanto movimento com esses objetos esquecidos? Se foram esquecidos é porque não são importantes, certo?

Márcia Gadioli, artista paulistana, trouxe com este trabalho, não apenas o resgate de objetos perdidos para que seus donos pudessem encontrá-los, mas nos possibilitou sonhar, criar histórias e resgatar memórias.

Somos tomados por uma mistura de sensações, e, dessa maneira, não nos importamos em ficar segundos, minutos e horas parados em frente a esta vitrine contemplando estes objetos, pois diferente da loja que olhamos, queremos e compramos, nesta vitrine especial, queremos, mas não podemos levar. Estes objetos tornam-se intocáveis a espera de seus donos, se não forem resgatados, serão descartados. Assim, temos, diante de nós, objetos que estão no presente, mas que estão ligados com o passado.

“(…) Quem procura aproximar-se do próprio passado enterrado, precisa comportar-se como um homem que escava. Acima de tudo, não se deve ter medo de retornar diversas vezes para um e mesmo estado de coisas – espalhá-lo como se espalhas terra, sulcá-lo como se sulca o solo […]. Assim, verdadeiras recordações precisam proceder muito menos de forma narrativa e designar com exatidão, isso sim, o local em que o pesquisador encontrou tal estado de coisas” (Walter Benjamin, Obras completas. Vol. IV, 1. Frankfurt, 191, p.400.)

Recordações. No episódio da Madeleine de Proust, a descrição do processo de recordar ocupa exatamente duas vezes mais espaço que o resultado da recordação. É dessa maneira que nos deparamos com o trabalho “Perdidos Achados”.

A mistura de memórias e imaginação nos fazem esquecer do trabalho, dos problemas e do tempo-agora, pois, o único tempo que importa é o da memória, do resgate daquilo que não nos pertence mais, mas que ainda está vivo, ou daquilo que gostaríamos que existisse.

Os objetos colocados na vitrine possuem em si histórias, marcas de um tempo que passa, e, como nós, que também temos essas marcas do tempo, nos identificamos com eles, uns mais outros menos. A vitrine da loja perde seu encanto, pois nesta, de “perdidos achados” reencontramos a nossa alma de criança que há tanto tempo esquecemos que existia.

Poderia teorizar sobre conceito de memória e esquecimento, mas achei melhor deixar que essas emoções tomassem conta de minhas palavras. Hoje, essa vitrine está vazia, a espera de outra intervenção artística, mas, posso afirmar que aqueles que experimentaram essa vitrine cheia de histórias não se esquecerão dela tão cedo, pois lá, mesmo sem nada, a vitrine ainda está cheia de histórias, impregnada pelos objetos que agora são apenas memória, e novamente virarão história para aqueles que falarem sobre o trabalho artístico “Perdidos achados”.

Márcia trouxe novamente a figura do chiffonier, de Baudelaire, um tipo de arquivista que escolhe, coleta, seleciona, ordena e protege seu inventário; um tesouro no reino do lixo, no caso, no reino dos esquecidos e descartados.

Fabiola Notari
Inverno de 2013